segunda-feira, 4 de julho de 2011

Guimarães em Tempo de Guerra IX

Com o fim da Guerra Civil e com a tomada de poder pelos liberais começaram a ser implementadas algumas medidas que iriam transformar profundamente a sociedade. Contudo os liberais não eram uma massa homogénea e divergiam em diversas matérias. Uma dessas matérias era a Constituição. Havia uma divisão profunda entre aqueles que defendiam a Carta Constitucional e aqueles que defendiam a Constituição de 1822.

No dia 9 de Setembro de 1836, em Lisboa, a Guarda Nacional tomava o poder e proclamava a Constituição de 1822. Era a Revolução de Setembro. Apadrinhada por alguns políticos com prestígio como Manuel da Silva Passos (conhecido por Passos Manuel) e António Vieira de Castro (natural da Casa do Ermo, em Fafe), o setembrismo iria durar alguns anos, caracterizando-se por uma agitação quase permanente.

Quando a notícia da Revolução de Setembro chegou a Guimarães não entusiasmou quase ninguém. Nas palavras de um contemporâneo “mais parecia função de enterro do que de regozijo”. A vila parecia indiferente ao sucedido, mas cedo as coisas iriam mudar. As divisões na sociedade eram notórias. Os setembristas (conhecidos por “mijados”) estavam divididos em duas alas, uma mais radical e outra mais moderada. Os cartistas (conhecidos por “chamorros”) defendiam a Carta Constitucional de 1826, queriam acabar com o setembrismo e abolir a Constituição de 1822 posta em vigor pela Revolução de Setembro. E por fim ainda subsistiam miguelistas que, como é sabido, queriam acabar com o liberalismo…

Foi no meio desta confusão que em 1838 se convocaram eleições. Em Guimarães, os setembristas tinham poucas hipóteses de ganhar as eleições e pareceu-lhes razoável sabotar o acto eleitoral. À cabeça dos setembristas vimaranenses estava o deputado José Fortunato Ferreira de Castro e o General da Província Barão de Almargem. Mas, como é lógico, não foram estes dois homens que encabeçaram o motim em que se sabotaram as eleições. Para esse fim chamaram Frei Domingos “Pedreira”, um conhecido “façanhudo”, que em troca do serviço encomendado pediu a eleição do seu irmão (Frei Manuel dos Prazeres e Silva) como deputado. Com este acordo firmado, o Frade convenceu o Regimento 18 aquartelado em Guimarães a dirigir-se à paisana ao largo da Oliveira, onde se iria proceder à contagem dos votos. A tarefa de convencer um Regimento a agir desta maneira poderá ter sido mais fácil do que à primeira vista possa parecer. E foi-o, em primeiro lugar, porque os soldados sabiam ter a protecção do General da Província e, em segundo lugar, estes soldados, por razões que desconhecemos, já tinham tentado assassinar o seu Coronel, o que nos leva a crer que, para além da disciplina não ser o forte daqueles militares, qualquer acção que vexasse o seu Coronel seria para aquela gente motivo de satisfação.

Na altura da contagem dos votos, na Praça da Oliveira, tudo parecia estar sossegado. Mas a acalmia iria durar pouco. Segundo um relato da época, no meio da multidão que assistia ao acto apareceu “Frei Domingos Pedreira, com uma clavina em uma mão e uma espada na outra entrando a dizer: leva a riba, morram os traidores!. Aí principiaram alguns soldados do nº 18 (disfarçados em paisanos) a dar pancadas naqueles que eram chamorros, e ao mesmo tempo que estes malvados espancavam desapiedadamente cidadãos probos, subiram outros pela casa da câmara acima e depois de espancarem alguns portadores das Actas, que acompanhavam a Meza, lançaram mão da urna e mais papéis pertencentes à eleição e fugiram com ela para o terreiro da Misericórdia, aonde um célebre filho do Domingos José Soares, os reduziu a cinzas. Assim terminou este acto, que, pelas leis, devia ser respeitado tendo em resultado o ficarem algumas pessoas feridas”.

Os setembristas quase levaram a melhor nestas eleições. Com o roubo dos “papéis” que não interessavam falsificaram-se as eleições e José Fortunato Ferreira de Castro sairia eleito deputado. O Frei Domingos não teria tanta sorte pois Ferreira de Castro não cumpriria o combinado, ficando o irmão do frade apenas como deputado substituto. Contudo, em Lisboa, ao saber-se da sabotagem e do escândalo as eleições foram anuladas.

Em 1839 o setembrismo já começava a definhar um pouco por todo o país. Em Guimarães, nesse mesmo ano, morria assassinado Frei Domingos, possivelmente por motivos políticos. Com o final do setembrismo, em 1842, o país pedia paz. Mas quatro anos depois chegava a Maria da Fonte.

1 comentário:

  1. Excelente estudo de um período conturbado, com muitas fações, nem sempre fácil de entender.

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